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22 de novembro de 2015 | 10h33

FIQUEI GRÁVIDA, E AGORA?

Cerca de 30% das adolescentes sofrem reincidência

da gravidez no primeiro ano de pós-parto

Foto: Shutterstock

Camila Caproni e Vanessa Martins

 

 

“Tenho orgulho de ser mãe. Cuido bem melhor dos meus filhos com a idade que tenho do que muitas mães mais velhas. Se não fosse pelos meus filhos quem sabe hoje eu nem estaria mais aqui. Minha vida era sair, frequentava bailes, em meio ao ambiente que vivia seria alvo fácil de uma bala perdida ou quem sabe não teria me tornado uma dependente química. Aos 11 anos tive meu primeiro namorado e aos 14 já tínhamos planos de morar juntos, mas minha família não aprovava o namoro. Comecei a sentir enjoos constantes, meus seios começaram a crescer até que veio a notícia... Você está grávida! No primeiro instante senti medo, mas logo contei para a minha mãe. Ela e o meu irmão mais velho não queriam acreditar. Eu era a caçula e filha adotiva, eu era o “bebê” da casa. Me sentia mal quando tinha que ir ao médico, por causa da minha idade escutava piadinhas. Hoje, com 17 anos, sou mãe do meu segundo filho. A segunda gravidez também não foi planejada, agora minha responsabilidade dobrou.” Jaciara Evely, manicure, 17 anos.

Para o ginecologista Rodrigo Hurtado, ações de promoção da saúde mental da gestante, como acompanhamento psicológico e de assistência social da família, são extremamente importantes. “São necessárias medidas educacionais de prevenção para que não haja uma reincidência de gravidez neste período da adolescência, algo que acontece com cerca de 30% das adolescentes no

primeiro ano de pós-parto.”

 

Pelo fato da adolescência ser um período de mudanças físicas e psicológicas, o adolescente olha para o futuro como algo confuso. É uma fase em que o que predomina é o desejo de querer curtir o presente e uma gravidez faz com que ele pense no

futuro antecipando etapas.

 

O emocional do adolescente cria barreiras que podem fazer com que ele se torne adulto, o que não é o ideal. De acordo com o psicólogo Robson Soares, o lado emocional precisa crescer aos poucos.

Foto: Arquivo  Pessoal

Soares ressalta que após o parto a mulher tem uma mudança física e o homem uma mudança comportamental. “Dependendo de como foi aceita a gravidez e de como ela foi trabalhada na família, após o parto a nova adolescente poderá se transformar em mãe ou se tornar uma rebelde”, acrescenta.

 

Ainda de acordo com o psicólogo, para os pais a gravidez é uma quebra de sonhos, pois eles traçam um projeto para os filhos e acabam os culpando, não pela gravidez, mas sim pela quebra de sonhos.

 

Robson Soares diz que o ideal são pais que mostrem para os filhos que agora a decisão deles irá interferir no futuro de um novo ser. “Atendi um caso de uma adolescente que ficou grávida e os pais adoraram a ideia, pois queriam um novo filho. Neste caso é importante que os pais entendem que serão avós e não pais de novo. Já em outro caso os pais não falavam mais com a filha, dizendo que ela tinha estragado a vida deles, o sonho deles”, relata Soares.

 

 

“Comecei a sentir fortes enjoos e a perder peso. Suspeitava de uma gravidez. Resolvi fazer um teste de farmácia no qual deu negativo, mas não confiei naquele teste. Um exame de sangue confirmou minhas suspeitas. Tive uma gravidez difícil, cheia de problemas de saúde e, devido à idade, tudo se agravou mais. Com 16 anos, escutava de muitos que eu não teria mais vida e não saberia cuidar de uma criança. Somos ensinados a aceitar que a lei da vida é crescer, casar e depois ter filhos, mas quando não acontece dessa forma, as pessoas não aceitam. Sempre tive certeza de que queria continuar a gravidez. Hoje meu filho, tem cinco anos e nada é mais prazeroso do que ver o sorriso dele e sentir aquele amor incondicional. Não importa a idade, um filho é experiência, é onde começamos a nossa vida.” Mayara Rizzo, auxiliar de Recursos Humanos, 22 anos.

As complicações emocionais relacionadas à gravidez na adolescência, em geral, são maiores que as complicações físicas. Deve ser levado em consideração o abandono por parte do pai da criança, a opressão e a discriminação social. Para muitas meninas, o primeiro passo é a aceitação da criança e isso tende a se agravar com a pressão da família e da sociedade.

Segundo uma pesquisa realizada em 2010 pelo Banco Mundial, a taxa de gravidez na adolescência da América Latina é uma das mais altas do mundo, perdendo apenas para a África Subsaariana e o sul da Ásia. A região registrou 72 nascimentos por mil mulheres de 15 a 19 anos. Na África Subsaariana foram 108 mil nascimentos e no sul da Ásia 73 mil.

 

No Brasil, 12% das adolescentes entre 15 e 19 anos tinham ao menos um filho em 2010, segundo o relatório da situação da população mundial do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA).

 

Ainda segundo o estudo, meninas pobres, negras ou indígenas e com menor escolaridade tendem a engravidar mais que as outras adolescentes. A maior taxa de natalidade na adolescência concentra-se na região Nordeste, com 159 mil jovens grávidas.

 

A falta de acesso à educação sexual nas escolas e de auxílio no planejamento familiar prejudica a prevenção da gravidez. A condição econômica da família e a falta de comunicação entre as jovens e os seus pais estão associados ao ambiente em que as jovens vivem. Estes fatores colocaram o Brasil no Top - 50 dos países com mais crianças que nasceram de mães menores de 18 anos. Acima do Brasil são encontrados países da África em que, de acordo com a cultura, o casamento infantil é permitido.

Foto: Arquivo Pessoal

“Tinha 14 anos, minha menstruação estava atrasada, minha mãe começou a desconfiar, até que ela teve a certeza. Eu estava grávida. Me assustei com a notícia, mas esperava. Meu namorado e eu queríamos ter um bebê apesar da idade. Minha mãe falava que eu era muito jovem para ter um filho. Ela não queria acreditar, se decepcionou ao saber da notícia. Apesar de ter tido uma gestação sendo muito nova, não tive do que reclamar, ela foi tranquila. Além disso, tive um acompanhamento médico muito bom, o que fez toda a diferença. Meu namorado também esteve presente durante minha gravidez, me apoiando, isso me deu forças para que eu conseguisse enfrentar as dificuldades e a seguir em frente.” Isabella Guimarães, estudante, 18 anos.

Para a coordenadora de obstetrícia da maternidade Santa Helena, a doutora Thatianne Coutheux Trindade, o acompanhamento multidisciplinar e o envolvimento da família da gestante são fundamentais para assegurar que a paciente encontre apoio durante o pré-natal e principalmente no pós-parto, evitando o risco de desenvolver uma depressão ou o abandono

do recém- nascido.

 

De acordo com Thatianne, o pré-natal para adolescentes grávidas deve ser especializado, com atendimento preferencialmente multidisciplinar, para orientação nutricional e acompanhamento psicológico. “É necessário ter atenção médica e orientação para ganho de peso adequado, utilização de vitaminas, prescrição de vacinas, atenção aos sinais de parto prematuro, pois muitas vezes a adolescente negligência seu corpo e não percebe contrações uterinas e perdas vaginais,” acrescenta.

 

Thatianne explica ainda que o corpo de uma adolescente não está preparado para receber uma gravidez, a interrupção do ganho de massa óssea da adolescente pode levar a um maior risco de aborto espontâneo e provocado. Além de aumentar o risco de anemia, pressão alta no final da gravidez, infecção urinária, parto prematuro e baixo peso fetal. “Pelo menor tamanho da pelve óssea também existe um risco maior de desproporção céfalo-pélvica, levando ao maior índice de cesáreas e de lacerações do canal de parto,” alerta.

 

Segundo relatório da Unicef divulgado em julho deste ano, uma pesquisa realizada em oito capitais brasileiras, São Paulo, Rio de Janeiro, Manaus, Belém, São Luís, Fortaleza, Maceió e Salvador, mostra que um em cada quatro partos (26%) as mães

têm de 10 a 19 anos.

 

Os dados ainda mostram que as garotas jovens são mães de 8 em cada 100 bebês que nascem nos territórios com baixa incidência de gravidez na adolescência. Essa proporção sobe para 26 em cada 100 bebês nos territórios onde

esta incidência é maior.

 

Dados da Organização das Nações Unidas (ONU) mostra que os programas de planejamento familiar foram responsáveis pela diminuição de um terço da fecundidade mundial, entre os anos de 1972 e 1994.

 

Segundo dados do IBGE de 2013, que embora revelassem uma queda importante das taxas de gravidez na adolescência nas duas últimas décadas no Brasil, mostravam também grandes variações regionais, como o norte do país enfrentando médias da ordem de 23%, enquanto no sudeste esse índice estava em torno dos 15%.

Foto: Arquivo Pessoal

 “Acompanhada pela minha mãe em um consultório médico, recebi a notícia que temia, eu estava grávida. Naquele momento meu mundo caiu, minha mãe ficou decepcionada. Eu tinha apenas 14 anos e o pior é que antes de saber da gravidez eu só havia ficado com meu companheiro, nós não namorávamos. Aos poucos minha mãe aceitou, o que me deu forças foi o apoio e a ajuda da minha família que eu considero um privilégio. Comecei a aceitar a gestação quando vi que minha barriga estava crescendo e que meu corpo estava mudando, a minha gravidez foi tranquila, não tive complicações e nem do que reclamar em relação ao atendimento médico, que por sinal foi muito bom.” Aline Garcia, auxiliar administrativa, 28 anos.

A ginecologista e obstetra, doutora Patrícia Bisestre Peres contou que desde que a adolescente tenha um acompanhamento adequado, boa alimentação, cuidados higiênicos necessários e apoio emocional os riscos são minimizados, podendo, muitas vezes, ser igualados aos das mulheres adultas

 

Estão entre os problemas causados por uma gravidez precoce:

 

  • Maior incidência de doença hipertensiva específica da gravidez, de morbidade e mortalidade no parto e no pós-parto;

  • Desproporção feto-pélvica, impossibilitando o parto normal devido a posição ou o tamanho do bebê não permitindo a passagem pelo canal de parto;

  • Partos prematuros;

  • Anemia;

  • Baixo ganho de peso;

  • Infecções.

 

Um fator relevante de risco é que as gestantes adolescentes apresentam menor número de consultas no pré-natal ou iniciam o acompanhamento tardiamente. “Isso pode estar relacionado com a dificuldade de assumir a gravidez, na insegurança e vergonha, nos conflitos familiares ou por desconhecerem a importância da assistência pré-natal e medo de exames obstétricos”, explica Patrícia.

Tratamentos e dicas para uma gravidez tranquila:

 

  • Ir em consultas médicas regularmente e seguir as orientações;

  • Realizar os exames e tratamentos recomendados para o seu caso;

  • Alimentar-se bem e de maneira saudável;

  • O pai do bebê deve participar destas rotinas para uma boa evolução da gestação dando apoio a sua parceira e diminuindo os riscos de complicações psicológicas;

  • Participar de reuniões e grupos de apoio durante esta fase são medidas interessantes para encorajar e esclarecer o futuro desses adolescentes.

Os programas para adolescentes que tratam de temas como sexualidade, gravidez, prevenção de doenças sexualmente transmissíveis e AIDS devem, sobretudo, considerar os aspectos sociais, culturais e econômicos da comunidade em que são desenvolvidos e conscientizar os jovens dessas problemáticas.

 

Para a doutora Patrícia, é necessário melhorar a autoestima das jovens mães, pois este fator é fundamental para o sucesso

na criação de seu filho.

 

Em São Paulo, o nível de gravidez na adolescência no ano de 1998 chegou em 148.018, 26% maior que em 2011, ano em que o número atingiu 89.815, de acordo com pesquisa realizada em 2013 pela Secretaria de Saúde do Estado com a Fundação Seade.

A Secretaria adotou em 1996, uma forma de atendimento para os jovens, a Casa do Adolescente, que começou a dar resultados dois anos depois, oferecendo informações e orientações para os adolescentes. A casa conta com um atendimento multidisciplinar, com médicos, dentistas, fonoaudiólogos, assistentes sociais, enfermeiros, psicólogos e professores.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A Secretaria adotou em 1996, uma forma de atendimento para os jovens, a Casa do Adolescente, que começou a dar resultados dois anos depois, oferecendo informações e orientações para os adolescentes. A casa conta com um atendimento multidisciplinar, com médicos, dentistas, fonoaudiólogos, assistentes sociais, enfermeiros, psicólogos e professores.

 

Existem também oficinas que englobam aulas de dança, cursos de culinária e artesanato, cursos de inglês e espanhol, bate-papos e terapias em grupo para que os jovens exponham seus sentimentos e possam receber orientação especializada.

 

Mas as regiões nordeste e sudeste ainda ganham com os maiores índices de gravidez na adolescência no país. É o que mostrou uma pesquisa realizada em 2010 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).

 

A questão social de uma gravidez precoce se desenvolve em torno da responsabilidade que esses novos pais terão. Muitos rapazes deixam os estudos para trabalhar enquanto as jovens cuidam dos afazeres domésticos.

 

Durante uma gravidez muitas adolescentes abandonam a escola e o emprego, este fator pode estar associado ao constrangimento que muitas jovens sofrem nos ambientes em que vivem.

 

Um exemplo é o que aconteceu com Jaciara Evely, ao ir em consultas realizar o pré-natal, era constrangida por médicos que faziam comentários impertinentes e piadinhas desnecessárias.

 

Mais de 90% das adolescentes sabem como evitar uma gravidez, mas não colocam os métodos em prática. É o que mostrou um estudo realizado pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) em 1979. Os dados ainda mostram que hoje, depois de 36 anos, a maioria das adolescentes possuem informações e acesso aos métodos contraceptivos.

 

Segundo o relatório da ONU, em 2010 no Brasil, cerca de 20% das adolescentes eram mães. As principais causas para a gravidez precoce no mundo, são os casamentos, violência sexual, restrições a políticas anticoncepcionais e falta de acesso à educação.

 

Além disso, de acordo com dados da ONU, no Brasil, cerca de 700 mil mulheres se tornam mães por ano, sendo que 20% dos recém-nascidos são filhos de adolescentes, 2% tem entre 10 e 14 anos.

 

Todos os anos 70 mil garotas morrem por complicações durante a gravidez. Ocorrem mais de 3,2 milhões de abortos com falta de segurança, sendo que 1,4 milhões são na África, 1,1 milhão na Ásia e 670 mil nos países da América Latina e no Caribe.

 

Pelo fato do adolescente ter uma vida sexual “eventual” muitos deixam de utilizar ou não utilizam de maneira correta os métodos contraceptivos. Além disso, a maioria não assume uma vida sexual ativa para a família o que impossibilita em muitos

casos as orientações.

Incidência de gravidez na adolescência por regiões

(10 a 19 anos)

Fonte: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA)/2010.

Veja também:

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