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22 de novembro de 2015 | 10h33

EU SUPEREI!

Após passar por uma mastectomia dupla, ex-modelo ajuda outras pacientes a superarem o câncer com a ajuda das redes sociais

 

Foto: Arquivo Pessoal

Para Flávia Flores, enquanto o tratamento não termina, a melhor opção é fantasiar-se todos os dias, com perucas de várias cores, lenços e maquiagem

Talita Morais

 

Envolvida no mundo da moda desde os 13 anos, a ex-modelo Flávia Flores fez da beleza sua ferramenta para combater o câncer de mama e elevar a autoestima. Quem visita a fanpage e assiste aos vídeos de Flávia, não consegue imaginar a catarinense numa versão mal-humorada. O que ela não sabia é que o mundo da moda poderia lhe ajudar a superar uma doença que a busca pela cura é cada vez maior e, principalmente, onde mulheres escondem espelhos, deixam de lado a maquiagem e a vontade de se arrumar.

 

“Antes de eu descobrir a doença, morava com meu filho em São Paulo e estava me recuperando de uma separação, um relacionamento que durou seis anos. Por conta dos novos projetos envolvendo minha carreira, resolvi deixar meu filho Gregório, que hoje tem 22 anos, junto com a família em Florianópolis e morar sozinha em São Paulo.

Eu descobri que estava com câncer de mama aos 35 anos, decorrente do estresse do cotidiano e dos anticoncepcionais que eu tomava na adolescência, como o meu próprio médico oncologista havia explicado na época. Mas, principalmente, por conta da minha separação. Eu tive uma separação muito traumática e acabei guardando todos os sentimentos dentro do meu peito e senti, literalmente, muita dor.

 

O último ultrassom, como de costume preventivo – indicado para todas as mulheres – aconteceu seis meses antes de eu descobrir a doença. Mas, até então, não havia aparecido nada nos exames anteriores. Eu descobri o nódulo durante um autoexame no banho, em outubro de 2013. Juro, um dia antes não tinha nada ali. Então, resolvi ir ao médico que, pacientemente, me disse que o caroço poderia ser resultado de uma batida ou alguma glândula que pudesse estar inflamada, mas nada muito grave. Os médicos me diziam que por ser nova, a doença passaria longe, já que o câncer é mais comum em mulheres acima dos 50 anos. Além da minha idade, o fato de não ter histórico familiar e a repentina aparição do nódulo, fez com que o profissional não se preocupasse com o caroço.

 

Eu fiquei inconformada com o resultado do ultrassom e, então, resolvi fazer a mamografia, para ver se realmente estava tudo certo com o meu corpo. E, por incrível que pareça, o exame apontou um nódulo aparentemente inofensivo. Basicamente, descobri que minha prótese de silicone do seio esquerdo, que eu havia colocado aos 20 anos, tinha se rompido. Naquele momento, o médico então me propôs a troca das próteses e a retirada do caroço. No momento em que fiz a cirurgia, eu estava tão feliz com os meus novos seios que até esqueci de me preocupar com os resultados dos exames e com o nódulo. Mas, para a minha surpresa, 10 dias depois da troca das próteses, recebi uma notícia de que o meu médico precisava me ver, com urgência, para falar do

resultado da biópsia.

 

Sim, eu estava com câncer. Tive medo quando descobri. Surtei. Eu me senti frágil e desprotegida, mesmo com a minha família me apoiando. Chorei durante 10 dias. Meus olhos pareciam dois pães franceses mal assados. E o pior de tudo, fui agressiva com as pessoas que ficaram ao meu lado. Na minha opinião, os surtos e o desespero são reações naturais vindo de pacientes que recebem essa notícia. Na época, eu optei por não saber nada sobre a doença e, ainda hoje, procuro saber o mínimo sobre ela.

 

Depois dos longos 10 dias chorando, eu resolvi procurar no Google algumas dicas de beleza para mulheres que estavam passando pelo mesmo problema. O resultado me deixou desapontada, já que não existiam blogs, vídeos ou um passo a passo de maquiagem voltado para pacientes que desejavam disfarçar a pele seca e as olheiras arroxeadas e fundas. A única coisa que encontrei foram conteúdos e imagens de pessoas acabadas pela quimioterapia. Então eu resolvi parar de me lamentar e criar uma página no Facebook com o objetivo de me comunicar com as pessoas que me rodeavam.

 

 

    Surtei. Eu me senti frágil e desprotegida, mesmo com a minha

família me apoiando. Chorei durante 10 dias. Meus olhos pareciam dois pães

franceses mal assados. E o pior de tudo, fui agressiva com

as pessoas que ficaram ao meu lado.

 

 

Para ser mais precisa, criei na última noite antes de realizar a mastectomia. Eu não imaginava que a rede social teria tantas leitoras, até porque esse não era o objetivo. O que eu queria mesmo era quebrar o gelo com os meus amigos, que não sabiam o que dizer quando se deparavam comigo. Então eu criei a página para contar um pouco do tratamento e a forma como eu estava bem, apesar do diagnóstico. Tudo isso para avisar aos meus amigos mais próximos, mesmo que de forma indireta, que as visitas estavam abertas e as ligações eram esperadas ansiosamente. Eu lembro que na época ninguém me ligava. Eu operei e ninguém foi me ver. Eu estava a caminho da quimioterapia e parecia que ninguém se importava. Lógico, eles são meus amigos, mas era uma situação complicada, delicada, e eles tinham receio de falar alguma coisa e eu me magoar. A dificuldade das pessoas em me visitar me motivou para que, cada dia mais, eu escrevesse na página.

 

Sim, eu consegui mudar o clima pesado com as pessoas mais próximas usando a rede social. Mostrei, principalmente, que a vaidade não foi deixada de lado e que o melhor remédio, naquele momento, eram os meus amigos e familiares cada vez mais próximos. Na minha página, passei a compartilhar o meu dia a dia e a minha rotina de quimioterapia. Eu sinto que depois disso o espelho virou o meu melhor amigo. Para mim, a autoestima elevada foi o segredo para um tratamento quimioterápico bem sucedido, sem sofrimento, sem pena de si mesma, com feminilidade, sensualidade, bom humor e muita vaidade.

 

Além de realizar vários ensaios fotográficos quando eu ainda estava careca, eu também gravei vídeos de passo a passo de como fazer, por exemplo, amarrações de lenços para esconder a careca. Nesse momento as curtidas foram aumentando, justamente porque eu tratava a doença de uma forma leve e engraçada, por mais que ela não seja. Acabei dando oportunidade também para as minhas Cats (leitoras) contarem as histórias delas. Eu criei um laço com as minhas leitoras e isso acabou sendo uma aprendizagem que passa de paciente, no caso eu, para paciente. Foi aí que eu fiquei ainda mais animada para levar o projeto para frente, tendo como foco as minhas Cats que cada vez mais queriam ficar com a autoestima elevada para enfrentar a quimioterapia.

 

Diariamente eu recebo milhares de mensagens de elogios e de carinho de seguidoras que precisam de alguém para partilharem e depositarem suas emoções, medos e suas angústias. Essa troca de carinho também me ajudou a encarar o tratamento

com mais leveza.

 

 

"Eu tinha que usar alguma ferramenta para esquecer o diagnóstico e continuar vivendo. Eu usei a beleza como ferramenta de salvação. E ela me salvou."

 

 

Eu sempre digo que uma mulher produzida e maquiada anda de cabeça erguida, é bem resolvida e não sofre ao ser observada na rua. Para as pacientes que se encontram ainda em tratamento, eu sempre indico que elas abusem dos cílios postiços para repor a falta de cabelo. É uma postura otimista.

 

Na época em que eu ainda estava em tratamento, passei por 30 quimioterapias e 28 radioterapias, que me fizeram enxergar os verdadeiros detalhes das pequenas coisas. Hoje, eu ainda não estou totalmente curada do câncer de mama. Atualmente, faço o tratamento por meio de remédios, mas a cura só vai acontecer daqui 12 anos.

 

Após ter feito a mastectomia dupla eu já estou me preparando para colocar, futuramente, as próteses de silicone. Normalmente, as pacientes já realizam a reconstrução da mama logo após a retirada dos tumores. No meu caso foi diferente já que, além de ter quatro tumores na mama direita, a biópsia mostrou que o peito esquerdo também estava com princípio de câncer. Hoje eu uso os expansores, colocados nos seios para deixar um espaço para as próteses mamárias que, provavelmente, serão colocadas

no ano que vem.

 

Na minha opinião, o ideal é procurar terceiras e quartas opiniões sobre o diagnóstico e falar, principalmente, com várias mulheres que já passaram pela doença. Se eu não tivesse persistido em fazer a mamografia, certamente estaria sem uma mama. Além disso, a melhor coisa é tirar os dois peitos de uma vez, pelo menos depois você não sofre com isso novamente.

 

Quando eu paro e penso em toda a minha trajetória, lembro que o fato de eu ter aceitado a minha situação momentânea foi o primeiro passo para conseguir superar o câncer de mama. Para mim, ter criado a fanpage, intitulada como Quimioterapia e Beleza, e ajudar diariamente outras mulheres a superarem a doença acabou sendo motivador. Eu não poderia ficar chorando e me lamentando. Eu tinha que usar alguma ferramenta para esquecer o diagnóstico e continuar vivendo. Eu usei a beleza como ferramenta de salvação. E ela me salvou.

 

Me divirto, sou muito feliz e privilegiada por servir de inspiração e ser um exemplo de força para outras mulheres. Por mais que seja uma doença difícil e dura com a própria paciente, eu não deixo de falar que o câncer veio para mudar a minha vida. Eu conheci Cats maravilhosas e são elas que me inspiram cada dia mais.

 

Pode ter certeza que no final a vida se ajeita. Os meus amigos, por exemplo, voltaram a falar comigo, eu estou bem e muito feliz com o projeto que estou tocando. Isso é motivação, pelo menos para mim. Durante o tratamento, o câncer me deixou de cama, tirou meus seios e o cabelo, além da cor e da vontade de namorar. Quietinha eu ficava quando estava muito enjoada por conta das sessões de quimioterapia. Mas, chega um momento em que nem mesmo o cabelo importa quando se sabe que, após o tratamento, tudo

voltará ao normal.

 

Eu fico emocionada só de falar o quanto isso é importante para mim. Só digo uma coisa: para as mulheres que também estão passando pela situação, é importante ter em mente que o tratamento é temporário, que ele vai começar e vai terminar. Mas, enquanto não termina, a melhor opção é fantasiar-se todos os dias, com perucas de várias cores, cílios postiços enormes, lenços e maquiagem. Todos os dias tentar ser uma mulher diferente, em todos os sentidos.”

 

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